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Variedades - O Grande Cavaleiro Branco dos Campos do Sul das Minas Gerais (por Luiz Carneiro)
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O Grande Cavaleiro Branco dos Campos do Sul das Minas Gerais (por Luiz Carneiro)
O Grande Cavaleiro Branco dos Campos do Sul das Minas Gerais (por Luiz Carneiro)

Variedades Notícia Destaque 01/03/2023

No início de dezembro de 2022, por conta de uma demanda ligada a meu projeto educacional, pedi um depoimento sobre minha pessoa e sobre meu trabalho ao Pastor Ephrain S. de Oliveira, amigo de minha família há mais de 50 anos e, como eu o considerava, também um amigo pessoal.
Como lhe era típico, o Pastor Ephrain gravou prontamente uma mensagem de quase 5 minutos (guardarei este áudio como um tesouro) que é, inclusive, muitíssimo bem escrita e estruturada (quem conhecia o Pastor sabe o quanto ele era bom na elaboração de seus discursos). 
O texto é aberto com uma citação bíblica do “erudito e versátil apóstolo de Cristo”, Paulo (Romanos, Capítulo 13, versículo 7) e posteriormente me honra, com minha inclusão na linha dos “pensadores interativos e inquietos” e com uma definição de meu trabalho que o pontua como contemplador “do contraditório, [d]a réplica e [d]o avesso”, conclusão que me parece perfeita, mas à qual eu jamais teria chegado sem sua ajuda. 
Uma vez que, agora, com o doloroso evento de sua partida ainda ressoando, decidi fazer um texto-homenagem, escolho também uma citação. Todavia, como sou ateu (sim, o Pastor Ephrain sabia mesmo ser amigo de todos, mesmo daqueles com posições antagônicas às suas), recorro a uma fonte da ficção, que me é a mais cara de todas.
Em As Duas Torres, segundo livro da trilogia de O Senhor dos Anéis, obra máxima da ficção de fantasia, escrita por J.R.R. Tolkien, Gandalf, na condição de Cavaleiro Branco, liberta o Rei Théoden, filho de Thengel, Rei da Terra dos Cavaleiros, de uma condição de engano e desencanto que lhe era incutida por um falso amigo e conselheiro (ver capítulo “O Rei do Palácio Dourado”).
Gandalf cria condições para que o Rei se aprume, para que recupere sua antiga força, para que corrija algumas injustiças e para que volte a ver o mundo com olhos de atenção e esperança. Fazendo com que Théoden, depois de muito tempo, segure o punho de uma espada, Gandalf definitivamente devolve ao Rei sua força, sua vida e sua vontade de justiça, recuperando das trevas um grande aliado para combater a Grande Escuridão que se aproximava.
Pouco depois, a guerra iminente faz com que o Rei convoque seus soldados e seu povo à batalha, para cavalgarem sob sua bandeira e liderança com o objetivo de deter o mal. Antes que os Cavaleiros partissem para o conflito, Gandalf, que está ao lado do Rei, sabe que precisa insuflar os ânimos e fomentar a confiança. Por isto, joga para trás sua capa e para o lado seu chapéu e mostra todo o seu poder, em todo o seu esplendor, com suas vestes brancas brilhando e iluminando derredor, literal e simbolicamente.
Aragorn, filho de Arathorn, o Guardião, o protetor e herdeiro dos Reis dos Anos Antigos, olha para ele e grita à multidão (e esta é a minha citação): “Vejam o Cavaleiro Branco” (pág. 166, As Duas Torres), frase que todo o exército replica. “Vejam o Cavaleiro Branco”, foi a frase que, eu percebi, em minha sexta leitura da obra, que coincidentemente está neste trecho, eu poderia ter aplicado ao Pastor Ephrain, em todas as ocasiões em que o encontrei.
Em O Senhor dos Anéis, na condição de Cavaleiro Branco, Gandalf se torna um escudo, uma insígnia, um capitão e uma força. Qualquer pessoa que conheceu meu amigo Ephrain sabe que a comparação não é indevida. “Vejam o Cavaleiro Branco”, eu provavelmente intuí que era minha frase para ele nas ocasiões (poucas, infelizmente) em que estabelecemos nossos sempre bons diálogos.
Posto todo este contexto e estabelecida minha citação, posso estender um pouco mais este tributo, ainda me atendo a motivos de O Senhor dos Anéis. Como Tolkeniano de plantão, não poderia deixar de fazer isto. Mas o motivo para tal não é o fanzinato, mas, sim, a grandiosidade. 
Um dos primeiros críticos literários de O Senhor dos Anéis foi C.S. Lewis, amigo pessoal de Tolkien e bastante conhecido no Brasil por ser autor de As Crônicas de Nárnia. Como os que acompanham sua obra sabem, o autor também era um cristão declarado, autor de livros que tratam com profundidade e perspicácia da fé e do Cristianismo.
Lewis aponta, com muita argúcia e propriedade, como Tolkien criou, em O Senhor dos Anéis, um mundo absolutamente convincente, recheado de criaturas surpreendentes, com características únicas e distintivas. Nos livros, essas criaturas transitam por vários espaços e, em um momento bastante anterior ao que descrevi acima para ancorar minha citação, muitas delas se reúnem no que se chamou de “O Conselho de Elrond” (isso acontece no primeiro livro da trilogia, A Sociedade do Anel).
O Conselho de Elrond foi uma reunião de líderes ocorrida em Valfenda ou Imladris, o vale-cidade em que Elrond Meio-Elfo liderava seu povo e todos os que por lá aportavam em busca de conselhos. O objetivo era a formação de uma aliança e a definição de ações direcionadas a combater as iniciativas de Sauron, o Grande Mal.
Fosse o Conselho de Elrond feito em nossa época e contexto, não tenho dúvidas de que o Pastor Ephrain seria convidado para a sessão e que teria sua palavra ouvida com tanto respeito quanto a do anfitrião. Se a decisão seria a mesma, exatamente, eu não saberia dizer. Mas, com certeza, uma coisa seria mantida: a representatividade, no grupo designado como “A Sociedade do Anel” (nome do primeiro livro, como já mencionei), de todas as raças livres (porque liberdade e liberdade de pensamento e ação eram paradigmas de meu amigo Ephrain).
A Sociedade do Anel tinha sobre si uma missão terrível: como única esperança do mundo, levar o Um Anel a Mordor (a terra do mal) e jogá-lo nas fendas vulcânicas e fumegantes da Montanha da Perdição, onde foi forjado e o único lugar em que poderia ser derretido.
A Sociedade do Anel tinha nove membros, representando as raças livres: quatro hobbits (sendo um deles Frodo, o Portador do Anel), um elfo (Legolas), um anão (Gimli), dois homens (Boromir e Aragorn) e um Istari ou mago (Gandalf). Cada um desses membros tinha características específicas que os tornavam úteis (cada qual de seu modo) ao cumprimento da tão árdua missão.
Quando pensei que o Pastor Ephrain estaria no Conselho de Elrond, veio-me uma percepção de que ele também teria algumas características de cada uma dessas raças, congregando essas boas características em sua sempre solícita pessoa.
Já falei sobre como ele se aproxima de Gandalf. Vamos, então, aos outros personagens. Os hobbits são um povo simples, pequeno aos olhos dos humanos. Gostam de fazer as mesmas coisas sempre, de ouvir as mesmas histórias, de tomar dois desjejuns, de fazer seis refeições ao dia, de erva-de-fumo e de boa cerveja. Amam o Condado, sua terra natal, acima de todos os outros lugares (como Itajubá era amada pelo Pastor).
Pensando nisto, lembrei de felizes ocasiões em que recebíamos o Pastor Ephrain em casa, no fim da tarde, para seu habitual café com leite e um pãozinho com manteiga. Diferentemente do que faria um hobbit, ele não comia muito, mas era evidente o prazer com que se deliciava com aquela pequena e simples refeição, nos brindando ainda com suas palavras, histórias e sabedoria.
Outra característica dos hobbits é que, mesmo que “gostem das coisas certas” e que não apreciem nem as aventuras e nem quem se aventura, são capazes de deixar de lado tudo o que mais gostam, se houver uma causa que os mova ou uma grande necessidade. Então, resumidamente, os hobbits são criaturas simples (mas não simplórias), capazes de grandes realizações (nesse ponto, qualquer pessoa que conheceu o meu amigo Ephrain entendeu a semelhança).
E ele era não um hobbit qualquer, mas, sim, um hobbit como Bilbo ou Frodo, que enfrentam adversidades com a cabeça erguida, nunca deixando de lado suas raízes e nunca também deixando de lado sua simplicidade, sua forma de ser, sua existência como achava que deveria ser.
Se estas são as semelhanças com os hobbits, aquelas com os elfos são um pouco diferentes. Nas obras Tolkenianas que tratam da Terra-média (o equivalente ao nosso mundo), os elfos são o bem, a temperança, a inteligência, a sabedoria e tudo o que possa existir de elevado.
“Bem”, “temperança”, “inteligência”, “sabedoria” e outras palavras e outros termos correlatos poderiam ser derivados desse contexto élfico para pensar sobre e homenagear nosso caríssimo Pastor Ephrain, que poderia, inclusive, ter uma palavra élfica especialmente engendrada em quenya ou nas línguas élficas mais modernas, como o sindarin, para descrever a sua forma única de ser, agir e pensar.
E, no mundo dos elfos de O Senhor dos Anéis, a figura élfica que, para mim, mais assoma como semelhante ao meu amigo, é uma figura feminina. Galadriel, cujo nome, como C.S. Lewis diz em seu Como cultivar uma vida de leitura (página 98), tem em si uma “beleza élfica penetrante e elevada”, é a rainha élfica do reino de Lothlórien, algumas vezes comparada com Nossa Senhora, de olhar profundo e arguto, sábia em profundidade e capaz de ver além das aparências, destilando a essência dos seres, capaz de proteger apenas por sua mera lembrança, pelo conforto que traz sua simples existência (creio estar correto na comparação).
E os “anãos”: assim, com essa grafia mesmo, como são chamados nos livros, por conta de processos linguísticos internos da obra (Tolkien criou línguas em seus livros; o Élfico é objeto de estudo de muitos grupos e tema de várias publicações). Os anãos são um povo de obras (e talvez bastasse dizer isso). Muito preocupados com seus próprios afazeres, são especialistas em trabalhar as pedras, os metais e as joias. Nunca se cansam e estão sempre dispostos, sendo guerreiros de muito valor e companheiros muito fiéis.
Vou destrinchar esta última frase, com o risco de parecer óbvio ou “chover no molhado”. Meu grande amigo Ephrain era como um anão: nunca se cansava e estava sempre disposto aos trabalhos e a ajudar; era um guerreiro de altíssimo valor em variados campos; e era, com certeza, um companheiro fiel (e porto seguro) para muitos.
Se alguém por acaso quiser uma prova desta resiliência de alto alcance, para dar um exemplo pragmático que poderia ser fornecido por um anão, lembremos a famosa bicicleta, que o transportava pelas ruas da cidade e que ele puxava para dentro dos portões da casa dos meus pais e depositava na garagem, logo antes de sentar-se para o café com leite e pão com manteiga (ele era conhecido de nossa amada – e saudosa – Akita, Safiri, que o reconhecia e apreciava).
Fico imaginando a rodagem da bicicleta (que não deve ter sido apenas uma, ao longo dos anos) e gosto de pensar (e de nunca conseguir confabular) o número (em milhões) de pedaladas que o Pastor Ephrain acumulou em vida, nos seus ires e vires por suas comunidades de pertença.
No último dia em que nos encontramos, inclusive, após nossa tradicional boa conversa, fui voluntário para levá-lo de carro a um dos bairros da cidade, para “resgatar a magrela”. E fui descobrir um engraçado “problema” que ele tinha: uma vez que era muito querido e já contava com certa idade, sempre que comparecia de bicicleta a um local, alguém se oferecia para levá-lo em casa. Só que, como (provavelmente) quase nunca a pessoa estava numa picape ou algo que o valha, a bicicleta tinha que ser deixada e, no outro dia, o Pastor tinha que voltar ao local (ele não gostava de recusar a gentileza, mas que aquilo devia ser um certo transtorno, isso devia).
A comparação com os humanos da Sociedade do Anel é como uma metacomparação: os humanos, em O Senhor dos Anéis, com medidas que variam de personagem a personagem, são “encruzilhadas das outras raças” (acredito que Tolkien representou aspectos pragmáticos e potenciais dos humanos em cada uma das raças livres). Resistentes e fortes como os anãos; sábios e elevados como os elfos; simples, mundanos e surpreendentes como os hobbits; faróis como os magos. Que a metacomparação, aqui, sirva para me ajudar a firmar minha posição de que o Pastor Ephrain (cujo nome guarda algo de élfico) tinha em si características de cada uma das raças livres.

 

Soube que, no velório de meu amigo (ao qual não compareci por ter ficado sabendo apenas duas horas antes e morar a mais de 8h de distância), um jovem cantou My Way, canção de Frank Sinatra, a pedido do próprio Pastor. Achei muito adequado e de extremo bom gosto (além de lembrar de que alguém que planeja algo para os próprios ritos fúnebres é alguém com muita consciência da própria vida). É uma bela canção clássica na voz de um ícone da música e pontua uma trajetória de vida única, singular, marcada pela força e pelo impacto que uma existência tão premeditadamente idiossincrática pode causar.
Uma vez que em O Senhor dos Anéis é comum que canções sejam cantadas como sistema de alívio, de comemoração, de pensamento e de homenagem, seleciono a seguir alguns trechos da letra e os reproduzo, adicionados de suas traduções por mim feitas, para quase encerrar este texto-homenagem.

 

I’ve lived a life that’s full | Eu vivi uma vida plena
I travelled each and every highway | Eu viajei por toda e qualquer Estrada
And more, much more than this | E mais, muito mais que isso
I did it my way | Eu fiz isso à minha maneira

 

Regrets I’ve had a few | Arrependimentos eu tive poucos
But then again, too few to mention | Mas, mais uma vez, pouquíssimos para mencionar
I did what I had to do | Eu fiz o que tinha que fazer

 

I faced it all and stood tall | Eu enfrentei tudo e permaneci altivo
And did it my way | E o fiz à minha maneira

 

For what is a man, what has he got? | Para o que é um homem, o que ele tem?
If not himself, then he has naught | Se não é ele mesmo, não tem nada
To say the things he truly feels | Dizer as coisas em que realmente acredita
And not the words of one who kneels | E não as palavras de quem se ajoelha

 

And did it my way | E eu fiz à minha maneira
Yes, it was my way | Sim, eu fiz à minha maneira

 

Muitas vezes, em O Senhor dos Anéis, após uma canção (e são muitas), há um silêncio de pensamento e de contemplação. Este silêncio caberia, se eu não precisasse dizer mais algumas coisas.
Gandalf, como Cavaleiro Branco, cavalgava em companhia de Scadufax, o príncipe dos cavalos, o cavalo mais rápido, mais forte e mais corajoso que existia na Terra-média. Baseado neste apoio e em sua sabedoria e poder, operava intervenções e transformações de profundo impacto. De vez em quando, criava também belos fogos de artifício para festas no Condado, para diversão de todos e em especial das crianças-hobbit.
Gandalf via o histórico e o mundano, o profundo e o superficial, o complexo e o simples, e sabia apresentar nuances de todas as situações a quem quer que seja, fosse qual fosse a ocasião. Nosso caríssimo Pastor Ephrain era da mesma estirpe. Ele não andava no dorso de Scadufax, mas sobre o banco da internacionalmente famosa bicicleta. O trabalho era o mesmo: nosso peregrino de Itajubá transitava por todos os povos livres e por entre todos aqueles a libertar, sendo, ao mesmo tempo, representante de todos e manifestante de sua voz única, forte, firme, serena e trovejante.

 

Meu amigo Ephrain fará uma falta terrível e sem substitutos. Fique seu exemplo, sua história, suas lembranças e os incontáveis traçados dos pneus da bicicleta que conheceram de Itajubá todos os recônditos onde ele pudesse levar conforto e esperança.

 

 

Jundiaí, 03 de fevereiro de 2023
(com minha secreta esperança de que este pequeno réquiem seja um instrumento de um novo diálogo)


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