A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou, por unanimidade, no dia 11 de abril, recurso do Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon/MG). O pedido previa autuação das empresas representadas pelos sindicatos patronais, por praticarem desconto no pagamento à vista, mediante dinheiro e/ou cheque, antes da promulgação da Lei 13.455/2017, que autorizou a prática. A Primeira Turma acatou a manifestação das Entidades e negou provimento ao recurso especial interposto pelo Estado de Minas Gerais.
O relator do processo, ministro Sérgio Kukina, destacou em seu voto que o inconformismo do Estado mineiro não comporta êxito. “Vale dizer, a cobrança diferenciada de preços de bens e serviços, em caso de pagamento com cartão de crédito, passou a ser legalmente admitida pelo ordenamento jurídico pátrio. Logo, não se pode enxergar abusividade na prática assim adotada por comerciantes e prestadores de serviço.”
A respeito da aplicabilidade da Lei nº 13.455/17, Kukina ressaltou um precedente aberto pela Primeira Turma, no julgamento do Recurso Especial (REsp) 1.153.083/MT. "Se a lei superveniente deixa de considerar como infração um fato anteriormente assim considerado, ou minimiza uma sanção aplicada a uma conduta infracional já prevista, entendo que tal norma deva retroagir para beneficiar o infrator."
Segundo o coordenador jurídico contencioso da Fecomércio MG, Rodrigo Ribeiro Santos, essa decisão não é definitiva, pois ainda cabe recurso, porém, caso seja mantida, os empresários que pagaram multas referentes à cobrança poderão reaver o valor. “Aqueles que foram autuados por praticarem a diferenciação de preços antes da lei podem entrar na Justiça para recuperar o dispêndio utilizando como prerrogativa o recurso especial julgado pela Primeira Turma do STJ”, ressalta.
Informa ainda, que somente poderão reaver tal valor, as empresas sediadas nas cidades abrangidas pela base territorial dos sindicatos patronais que ajuizaram a ação.
Entenda o caso
Em 12 de novembro de 2010, algumas entidades sindicais patronais do interior de Minas Gerais, por meio do departamento jurídico contencioso da Fecomércio MG, impetraram um mandado de segurança contra ato do Secretário Executivo do Procon. Na ação, pediam que as empresas não fossem autuadas pelos agentes do órgão, impedindo-as de serem multadas ou vedadas a diferenciar preços. Por ser compatível com a equidade e a boa-fé, a prática – prevista no artigo 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor (CDC) – não representa qualquer abuso econômico ou lesão aos consumidores, que justificasse a cobrança de multa imposta pelos agentes do Programa.
As entidades ainda alegaram, que caso os comerciantes concedessem descontos nas compras à vista, não haveria nenhuma vedação legal. A prática também não se configuraria abusiva, nem uma cobrança de vantagem excessiva, já que a venda por meio de cartão de crédito não poderia ser considerada à vista. Nessa modalidade, a relação entre o consumidor e a administradora do cartão de crédito revela, por si só, a disparidade da situação de consumo.
O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) foi favorável à argumentação dos sindicatos patronais. Para o órgão, somente a diferenciação de preços não seria suficiente para infringir o CDC. Diante de qualquer previsão legal que vede essa prática, o Procon, ao presumir a má-fé do comerciante e impor-lhe penalidades administrativas, ofenderia o princípio da legalidade.
Com isso, o TJMG deu provimento ao recurso dos sindicatos, garantindo segurança às empresas e determinando que o Procon não pratique, por si próprio ou por seus agentes, qualquer penalidade contra as empresas, que integram a categoria econômica representada pelas entidades que ajuizaram a ação. A decisão assegurou a possibilidade de se conceder descontos para compras à vista, em dinheiro ou cheque, sem extensão dessa vantagem às transações realizadas mediante pagamento realizado com cartão de crédito.
Inconformado com a decisão, em 26 de agosto de 2013, o Estado de Minas Gerais distribuiu no STJ Recurso Especial na tentativa de reverter o julgamento. Porém, que no curso do trâmite processual, a Medida Provisória nº 764/2016 foi convertida na Lei nº 13.455/17, que autorizou a diferenciação de preços de bens e serviços ao público em função do prazo ou do meio de pagamento usado.
Em 22 de fevereiro de 2019, o Estado de Minas Gerais foi intimado nos autos do REsp. 1.402.893-MG sobre o interesse em prosseguir no recurso. O Estado manifestou, sob o argumento que a edição da lei, que autoriza a diferenciação de preços, não tem o poder de tornar abusivos ou ilícitos os atos praticados pelo Procon antes da publicação da norma.
Em resposta, os sindicatos patronais, assistidos pelo jurídico da Fecomércio MG, apresentaram manifestação junto ao STJ, com requerimento paraque fosse negado provimento ao recurso, ao argumento de que o Procon não pode impor penalidades aos comerciantes na hipótese de praticarem preços diferenciados nas vendas à vista em cheque ou dinheiro. Além disso, demonstraram que os atos praticados pelo órgão, antes da publicação da Lei 13.455/17, tornaram-se ilegais, abusivos e sem legitimidade, tendo em vista que interpretação contrária ao disposto na legislação configuraria uma violação frontal ao princípio da segurança jurídica.
A segurança jurídica pressupõe confiabilidade, clareza, transparência e racionalidade das ações do Estado, bem como a confiança dos indivíduos a respeito de suas disposições pessoais e os efeitos jurídicos decorrentes de seus atos. Esse fato, por extensão, impõe o cumprimento da função máxima do Judiciário: alcançar a pacificação social segundo os valores constitucionais vigentes.
Para saber a lista dos sindicatos patronais que ajuizaram a ação e quais as cidades foram abrangidas por esta decisão, entre em contato com o departamento jurídico contencioso da Fecomércio MG.
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